Equador comemora conquistas do levante após firmar “Ato pela Paz"

Líder do levante, Leonidas Iza, foi saudado por uma multidão em Quito (RT)

(RT)

Após 18 dias de um levante popular que sacudiu o país e quase pôs abaixo o governo de Guillermo Lasso – com o impeachment deixando de ser aprovado por pouquíssimos votos – a capital, Quito, se despediu com festa do presidente da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), Leônidas Iza, nesta quinta-feira (30), e reforçou o apoio à pauta de reivindicações do movimento.

Comemorando a assinatura do “Ato pela Paz” com uma gigantesca manifestação de solidariedade ao líder nas ruas, milhares de pessoas se aproximaram do carro que conduzia Iza para cumprimentá-lo com orgulho e alegria. Aplausos e saudações vibrantes pela contundência do protesto se somaram às declarações de pessoas de todas as idades de que o acompanharão na luta até a plena execução da pauta, que deverá ser executada no prazo máximo de 90 dias.

“Só a luta nos permitiu conquistar direitos! Temos resultados na agenda nacional de 10 pontos, conseguimos medidas para aliviar a situação econômica, saúde e educação de famílias vulneráveis no campo e na cidade; baixamos decretos para defender vida”, apontou a Confederação de Nacionalidades Indígenas.

Apesar de o governo ter assinado um acordo com a mediação da Conferência Episcopal Equatoriana, com a Conaie, a Confederação Nacional das Organizações Camponesas, Indígenas e Negras (Fenocin) e o Conselho de Povos e Organizações Indígenas Evangélicas do Equador (Feine), as provocações não cessaram.

Ameaças a Leonidas Iza

Mesmo depois de ter detido Iza no dia 14 de junho para libertá-lo posteriormente, agora o governo insiste em julgá-lo com base no Código Penal Orgânico Integral (COIP), que pune de um a três anos de prisão a realização de atos de “vandalismo”, atribuídos ao dirigente da Conaie durante os protestos. “Sabemos que eles tomam decisões coletivas, com suas bases, têm que consultar seus diferentes povos e nacionalidades. Mas quero ser categórico, em nenhum momento, nesse registro foi tocado o assunto desses atos de vandalismo, de um possível perdão dessas questões”, declarou o vice-ministro de Governo, Homero Castanier.

Diante da afronta, a defesa de Iza solicitou que Lasso e o ministro do Interior, Patricio Carrillo, comparecessem como testemunhas e esclareçam de uma vez por todas os fatos, já que haviam se comprometido a retomar o processo de diálogo com vistas a encontrar soluções pacíficas para as demandas econômicas e pôr fim aos protestos sociais.

O fato, observou a Aliança de Organizações de Direitos Humanos, que reúne 15 grupos, é que Lasso impôs o “estado de exceção” em seis províncias [Estados], tendo sido registrados seis mortos, 331 feridos e 152 detidos. A Missão Internacional de Solidariedade e Direitos Humanos, que acompanhou a mobilização, denunciou que o governo equatoriano cometeu “crimes contra a humanidade”. Além dos assassinatos, informaram, ocorreram detenções arbitrárias com “tormentos, tratamentos cruéis e degradantes”.

Movimento indígena valoriza avanços

Um documento assinado pelo movimento indígena destaca os avanços obtidos durante os “18 dias de resistência”, colocando em destaque a redução do galão [de 3,78 litros] de diesel de US$ 1,90 para US$ 1,75 e de gasolina de US$ 2,55 para US$ 2,40, o que significa uma diminuição de US$ 0,15 o galão, bem como a acachapante derrota do Decreto 95, para que “não se permita a ampliação da fronteira petrolífera, a fim de proteger os territórios e direitos coletivos dos povos indígenas”.

Entre as prioridades dos próximos três meses está a “reforma do Decreto 151, com o qual não haverá mineração em áreas protegidas e em territórios ancestrais, zonas declaradas como intangíveis, zonas arqueológicas, áreas de proteção hídrica

e se garantirá a consulta prévia, livre e com a devida informação às comunas, comunidades, povos e nacionalidades indígenas, considerando os padrões ditados pela Comissão Internacional de Direitos Humanos (CIDH) e pela Corte Constitucional equatoriana”.

Agora, assinalam as lideranças, “o processo de negociação estará focado nos setores que necessitam mais subsídio: agricultores, camponeses, transportadores, pescadores e demais”.

Controle de preços

Além disso, esclarecem, serão fortalecidas “as operações e mecanismos de controle de preços contra a especulação no mercado dos produtos de primeira necessidade (Decreto 452) e se declara em emergência o sistema de saúde pública para entregar imediatamente medicamentos e insumos aos hospitais e centros de saúde (Decreto 454)”.

“Com o Decreto 456, o Bônus de Desenvolvimento Humano [similar ao Bolsa Família] subirá de US$ 50 para US$ 55, beneficiando a um milhão e 400 mil famílias; haverá subsídio de 50% no preço da ureia para pequenos e médios produtores e redução da taxa de juros de 10% para 5% no Banecuador [banco estatal] para créditos de até US$ 3.000. Serão perdoados os empréstimos de até US$ 3.000 já vencidos e ainda destinados US$ 100 milhões a mais para os créditos produtivos, com até US$ 20.000 para serem pagos em 10 anos a uma taxa de juros anual de 5%”, acrescenta o documento.

O governo se compromete também com a elaboração de “um projeto de lei de reformulação do artigo 66 da Lei Orgânica de Circunscrição Territorial Especial Amazônica” e que nos próximos três meses será instalada “uma mesa técnica de diálogo para dar prosseguimento aos acordos e à resolução dos temas pendentes da agenda nacional de 10 pontos”.

“Pela contundência da paralisação nacional, Guillermo Lasso [que não é chamado de presidente nem uma única vez] apareceu tão somente em cadeias de televisão e nunca se sentou à mesa para dialogar. No entanto, seu governo se viu obrigado a responder ao povo. Não renunciamos ao direito à resistência. Caso não cumpram com o acordado, voltaremos e seremos milhões!”, concluíram os indígenas.